sábado, 9 de maio de 2009

Desde essa época, passei a fazer pouca fé na vida íntima
das mulheres.
Ignorava o que o irmão pensava daquilo tudo. Sabia que Helena dava-se a todos, sem muito rogo, mas tinha predileção por ele. Um dia, surpreendi-os no quarto de nossa empregada: o irmão não era um hipócrita. Ao vê-lo naquele transe, notei que conservava o ar apalermado, a fisionomia de quem estava quase sofrendo.
Helena, sim, se esbaldava.
Nesse mesmo dia, sentindo alma e carne mergulhadas numa angústia inexplicável mas dolorosa, procurei Julinho para um desabafo. Ele me ouviu com ar superior, como quem não dá importância às porcarias da vida. Eu respeitava Julinho, era o mestre em todas as patifarias que os adultos cometiam e proibiam. De seus lábios ouvi o primeiro palavrão, de seus bolsos saíram os primeiros cigarros, de seu dinheiro tomei o primeiro parati, de suas mãos presenciei a primeira masturbação. Fora ele, além do mais, quem pervertera Helena e outras gurias das redondezas. O título e a função de mestre caíam-lhe como nunca mais soube caírem em alguém. Não fiquei decepcionado. Julinho discorreu com precoce sabedoria sobre a alma e o corpo das mulheres, eram todas imundas, porcas. Não valiam o sofrimento que causavam. Prova bastante era a predileção de Helena pelo meu irmão. Bastava isso para revelar a sordidez das mulheres.

O Ventre, Carlos Heitor Cony

Um comentário:

Anônimo disse...

Ah, que alegria ter notícias d´O Ventre, um dos meus romances preferidos! E é incrível pensar que foi o primeiro escrito pelo Cony, não é?! Pergunta a Maria: como pode???