domingo, 23 de agosto de 2009

Nada de Édipo

O sol das cinco da manhã dilacerava-me os olhos enquanto meu corpo todo reclamava alguns incômodos: minha má postura – coisa que ela sempre reclamou, assim como minha mãe reclamava; minha cabeça cheia de remorso; e meus pulmões cansados dessa atmosfera carregada de atos falhos e palavras impensadas, um verdadeiro circo foi armado ontem nessa casa, com direito a feras indomáveis e lançamento de facas, eu sobrevivi. Logo cedo perambulei pela casa observando atento cada cômodo, cada cortina, cada lençol, a mesa, o jogo de talheres, um jogo de palavras, articuladas essas, na minha testa mais um discurso insuportável nasceu, desagradável a quem quer que escute – a verdade é que minha boca sempre foi uma fossa, partindo disso e deixando de lado formalidades, minhas palavras não seriam outra coisa além de fezes. Jogo fora mais um discurso.

Não me causa espanto o fluxo desenfreado que as coisas tomaram. Com um tom moribundo, mas acima de tudo conformado, eu repito: eu troquei os pés pelas mãos. Como disse ela antes de sair porta a fora vomitando todos os seus hormônios; minha musa - as vezes cobra, as vezes puta - entoava todas as minhas mazelas com o mesmo tom que minha mãe possuía – Édipo, coitado, em algum momento de sua vida deve ter se visto obrigado a repetir ‘’eu troquei os pés pelas mãos’’, provavelmente antes de furar seus olhos. Eu, em seu lugar também arrancaria meus ouvidos. Cego e também surdo não me importaria com o furacão que percorria a casa acompanhado de terríveis trovoadas – todas as louças foram reduzidas a cacos. Nem me importaria com todas as palavras-facas atiradas contra mim. Calado ficaria até a tempestade passar.

Mas eu não furei meus olhos, muito menos arranquei meus ouvidos, pelo contrario, abri minha boca e coloquei muita coisa pra fora, enchendo a sala e o rosto dela de fezes, uma coisa desagradável, repito. O circo pegou fogo, mas o furacão foi embora, pra casa de algum parente talvez, eu que fiquei, vivo – sem grandes traumas.

Às vezes até mereço meus sofrimentos. Mas deixando de lado todo o sadismo que polui as relações e diálogos em geral, é inevitável deixar de ver o cômico defecando na face do trágico: Uma esposa angustiada flagra seu marido contratando uma prostituta. Este, enquanto é engolido pela voluptuosidade em pessoa, nota que esta sendo observado e sai do carro aflito, tropeçando nas próprias calças e caindo com a face no chão. A ‘’libertina’’ por sua vez, solta gargalhadas estridentes enquanto limpa a própria boca.

3 comentários:

Anônimo disse...

Uau! Atípico e afortunado!

arthur disse...

troquei os pés pelas mães!

Daros disse...

Ótemo.